quarta-feira, 25 de março de 2009

Mudar de vida

Tenho tido algumas dificuldades em mover-me, em andar; há movimentos que já me custam, tenho maus tratos causados por mim mesmo, que fui amontoando, por causa de actividades físicas saudáveis, diz-se: ginásticas, desportos, artes marciais, quedas de cavalo e de bicicleta, quedas da cama enquanto dormia, brincadeiras com crianças que não sabem medir a sua força, sabe-se lá; o corpo já perdeu a conta às mazelas que foi colecionando e que, agora o atormentam a demonstrar o seu incómodo, a dor, a atrofia… ontem voltei da aula de aikido com o corpo dorido e o tornozelo direito, que era o bom, tão mal quanto o esquerdo, que já não tem por onde se lhe pegue. As costas aguentam-se, vértebra por vértebra num equilíbrio precário de resignação gravítica suspendendo-se uma à outra, ao invés de se suportarem; as articulações, quase todas, desarticulam-se, fazendo-me crer que tendões, ligamentos e músculos estão reduzidos a um monte de elásticos presos precariamente a um mikado ósseo calcinado como uma máquina de lavar roupa em que não se usou o detergente certo durante anos.

Pois bem, como começo a ter dificuldade em lidar com tanta mazela e em tornar tanta dor e desconforto suportáveis decidi que iria mudar de vida. Não pretendo emagrecer ou essas coisas drásticas e difíceis. Sei que perder um pouco de peso ajudaria, tornaria o meu corpo mais ligeiro, reduzindo o esforço sobre os vários ossos, ligamentos e articulações mas, acontece que já tinha pensado, este ano, estabelecer objectivos mais ambiciosos e, em vez de emagrecer, decidi ficar mais alto; a altura tem-me feito falta e, já que o resultado é o mesmo, junta-se a altura à esbelteza.

Para mudar de vida, de forma eficaz e de maneira a resolver os meus problemas articulares, decidi alterar a minha força gravitacional, oferecendo mais oposição à atração da terra, deixando-me levar mais pela lua ou por outros planetas. Decidi levitar. Não muito, alcei-me apenas um pouco acima da superfície do planeta, o suficiente para não ter de suportar sobre as minha pobres carnes terrenas, sacrificadas e maceradas pela porrada e pela estupidez, o peso de si próprias.

Foi remédio santo (cheguei mesmo a pensar deixar crescer uma áurea mas tenho medo que atraia raios), passei a andar muito mais leve, acima da maior parte dos problemas; mais leve, mais rápido e, por consequência, mais barato porque uso ainda menos o carro e os transportes públicos. Percebi que, inclinando-me um pouco para a frente enquanto levito, consigo controlar a minha velocidade de forma muito eficaz, inclinado o corpo para a direita ou para a esquerda, viro, para um lado ou para o outro, de forma mais subtil ou mais abrupta, conforma necessário. Dando um pequeno impulso com os joelhos, para cima ou para baixo, consigo incrementar ou reduzir a minha altura ao solo, em cinco a dez centímetros de cada vez, o que se torna extremamente útil para ultrapassar obstáculos ou evitar bater nas linhas aéreas dos elétricos (embora, normalmente, não me deixe levar por tão altos voos, vou experimentar subir ao telhado do duomo este fim de semana). É fantástico e, apesar de ter começado apenas hoje, já me sinto muito melhor, mais leve, com menos dores e invejado por todos.

Sem comentários: