sábado, 12 de julho de 2008

Trovoada de Verão

Caem ovos do céu! Não é água, são ovos. Caem em cima dos carros e na estrada. Alguns acertam sonoramente nas campânulas dos candeiros da rua. Parece batuque de guerra em chapa de zinco. O céu está de balastro avariado, flashes consecutivos, azuis e cinzentos fazem um quadro, dezenas de quadros diferentes, não há pintor que consiga captar esta riqueza de gráficos de playstation. A maltinha foge, elas correm nas pontas dos pés para não estragar os saltos, protegendo a cabeça com o que podem, eles não correm, andam com aquele andar rápido, contrariado, de quem não tem medo de trovoadas ...
No bar, evacuaram as mesas de fora, as portadas fecharam-se, acabou tudo lá dentro, a estrada ferve. Na minha varanda estreita não chove, o vento é norte, fico de fora, vejo as pessoas dentro do bar, atrás dos vidros molhados. O happy hour na Hora Feliz, o bar cubano em frente à minha varanda, é considerado um dos melhores de Milão. Bebida não tropo cara, comida variada, música brasileira, pessoal simpático. Jantei lá, voltei cedo, vim ver a trovoada da minha varanda, sozinho.
As trovoadas ajudam a relativizar as coisas porque são uma demonstração poderosa das forças bélicas da natureza. Todos os problemas se tornam menores perante tamanha demonstração. A conjugação de elementos hostis é inequívoca: relâmpagos, chuva ou granizo, o troar poderoso dos trovões. Acabei a relativizar a própria trovoada, imaginando como, nesta mesma cidade, há pouco mais de sessenta anos, uma trovoada também poderia afinal ser um momento de paz, um momento de interrupção dos frequentes bombardeamentos dos Ingleses e Americanos, em 1944. Lembrei-me de uma trovoada seca, em Ferrara, muitos anos atrás, em plena guerra do Irão com o Iraque. Acordámos com as portadas a bater, som ensurdecedor, chovia como hoje. Apenas um dormia, um iraniano, em paz, longe das bombas da Pérsia.
No bar, tudo normal, outra vez. As mesas e as cadeiras limpas chamam os clientes. A Natureza mostrou-se uma vez mais.

"O Irão está preparado para bombardear Israel e as “32 bases militares americanas” no Médio Oriente em caso de um ataque contra o país, anunciou hoje um alto responsável iraniano, subindo o tom das ameaças trocadas nos últimos dias." In Público, online, 12 de Julho de 2008

Não Comerei da Alface a Verde Pétala...

Não comerei da alface a verde pétala
Nem da cenoura as hóstias desbotadas
Deixarei as pastagens às manadas
E a quem mais aprouver fazer dieta.

Cajus hei de chupar, mangas-espadas
Talvez pouco elegantes para um poeta
Mas peras e maçãs, deixo-as ao esteta
Que acredita no cromo das saladas.

Não nasci ruminante como os bois
Nem como os coelhos roedor; nasci
Omnívoro: dêem-me feijão com arroz

E um bife, e queijo forte, e parati
E eu morrerei feliz, do coração
De ter vivido sem comer em vão.

VINICIUS DE MORAES, 1947

Milano Happy Hour - The Movie