sexta-feira, 30 de outubro de 2009

José Luís Peixoto

De visita a Lisboa acabei a conversa com o advogado, meti-me no carro e, sendo sexta-feira, fui à fnac no Colombo. Comprei o Cemitério de Pianos, do José Luís Peixoto. Já tinha lido um livro de poesias dele, recente, não me lembro como se chama, que comprei na feira do livro de Lisboa (e que o vendedor, enquanto eu estava a pagar, recebeu um telefonema do editor a quem disse, com ar de crise económica, que tinha acabado de vender o último livro do José Luís Peixoto…) e, antes, tinha lido a Cal, Nenhum Olhar, e Morreste-me.

Não sabendo por que razão havia de ficar em Lisboa, fui para Setúbal, com a ideia de comer um peixinho grelhado no Baluarte do Sado, o único sítio do mundo em que sei que sabem como gosto do peixe e sei que o fazem sempre como eu gosto. Mas, não sei porquê – sei, mas não interessa explicar…-- acabei no Baluarte da Avenida, que é da mesma família, mas onde eu nunca tinha estado; decidi experimentar (se não andas a fazer nada errado é porque não andas a fazer nada de novo…); pedi cherne (mal passado, é só tirar o sangue), uma salada de alface, tomate, e cebola, temperada com azeite, vinagre, e sal grosso (quem achar que isto não é importante, escusa de ler o resto). O cherne estava bom, peguei no José Luís Peixoto e comecei a ler. E comecei a chorar. Livros bons são aqueles que se invejam. Lembrei-me daquele telefonema do hospital: não sei se já lhe disseram que o seu pai morreu… Não tinham dito, mas eu sabia. Acharam que o cherne não estava bom. Mas estava. José Luís Peixoto: és um excelente escritor, parabéns pelo teu trabalho.

 

sábado, 10 de outubro de 2009

Aeroporto de Budapeste

És casado com uma alemã? -- perguntou-me o meu amigo suíço.

Porque perguntaria ele isso? A minha mulher tem uma cor de pele e uma cor de cabelo que facilmente a fariam passar por alemã, mas ele não sabe disso, não a conhece. Era a primeira vez que nos encontrávamos, apesar de ouvir falar dele há muito tempo, pois temos um amigo comum.

-- Usas a aliança na mão direita, os alemães fazem isso -- disse.

E os espanhóis também, mas não sou casado com uma alemã nem com uma espanhola, a minha mulher é portuguesa. Quando nos casamos, não tínhamos pensado em que mão usaríamos a aliança, nem tínhamos pensado que o assunto era protocolar, decidimos ali, na altura, que a usaríamos na mão direita.

Lembrei-me desta história quando olhei para o homem que está sentado à minha frente, num restaurante de aeroporto. É alemão, com certeza, pois usa a aliança na mão direita e tem a cor da pele e a cor do cabelo como a minha mulher.

É triste estar num aeroporto esperando pelo último voo da noite, enquanto tudo se vai fechando, todos vão para casa ou para o destino seguinte. Pouco a pouco, as lojas vão ficando vazias, as portas de embarque recebem os últimos passageiros e fecham, nos restaurantes e bares começam a limpeza, preparando tudo para fechar. Todo o bulício do dia se apaga e, apesar de tudo isto ser melancólico, é também curioso observar que uma nova vida vem ao de cima. Os empregados das lojas e dos restaurantes ganham vida própria, deixam se ser personagens de um aeroporto impessoal para passarem a ser pessoas, falando uns com os outros, de uma loja para a outra, sem serem interrompidos por um cliente que pede uma cerveja ou pelo barulho das chamadas de altifalante. Fecha-se o aeroporto, acaba um dia em que as vidas de milhares de pessoas se cruzaram no mesmo sitio sem , de facto, se terem cruzado. Amanhã, tudo renascerá e acabará da mesma forma. O homem alemão que estava sentado à minha frente levantou-se e foi para a porta do voo que parte para Zurique. Pode ser suíço, como o meu amigo.

Ainda faltam três horas para o meu voo mas o aeroporto está praticamente vazio. No bar, pedi uma garrafa de vinho, uma salada, e batatas fritas. Apetecia-me escrever, abri o caderno e comecei a escrever. Foi a primeira vez que o fiz para responder a uma vontade verdadeira de o fazer. Espontaneamente. Até aqui, tenho-me limitado a escrever os meus exercícios do curso de escrita criativa, com um objectivo bem definido.

Estou a ficar preocupado, não esperava que este voo fosse apenas para mim mas não vejo mais passageiros no aeroporto. Várias coisas podem ter acontecido: toda a gente decidiu voar para Zurique, deixando todos os outros destinos sem passageiros; posso estar no terminal errado; ainda é tão cedo para o meu voo -- faltam duas horas e meia -- que os outros passageiros ainda não chegaram; este é o voo que leva todos os empregados do aeroporto.

No bar à minha frente, uma espécie de pub inglês, mobiliário de madeira, mesas altas e cadeiras altas, tudo castanho, de boas madeiras de tradição inglesa, um grande balcão, tendo por trás uma grande estante com prateleiras, fundo espelhado, nas prateleiras garrafas de vinho e livros…

A senhora que faz a limpeza do aeroporto -- espero que tenha alguém para a ajudar, apenas a vejo a ela e o aeroporto ainda é grande… -- poderia ser condessa de qualquer coisa. Não sei mesmo se não será uma condessa húngara, cujos parentes perderam tudo o que tinham e que se viu obrigada a trabalhar nas limpezas. Provavelmente teria uma boa cunha, porque lhe deram o aeroporto todo. Tem pele clara e é ligeiramente arruivada, cor de rosa, dir-se-ia. Veste-se toda de branco: calças, uma espécie de bata, meias, chinelos, luvas, tudo branco. Usa um badge do aeroporto.

Vejo um aspirador no chão, no pub. Estou quase a oferecer-me para dar uma ajuda, aspirando. Nunca aspirei um aeroporto; quem sabe posso dar uma ajuda à condessa. Talvez isso me dê descontos nos voos. Da próxima vez que comprar um bilhete, digo:

-- Oiça lá, não me faz um desconto? Olhe que, uma vez, aspirei o aeroporto de Budapeste. Eu e uma condessa, ouviu? E bem sujinho que ele estava…

Villànyi Portugieser será vinho português? Que estava eu fazendo no aeroporto de Budapeste bebendo vinho português? Que, por acaso, não é mau de todo…

A livraria fecha. Afinal, há mais passageiros: vejo passar uma senhora, também ela parece alemã, que vem procurar algo para comer no selfeservice atrás de mim. Procura na vitrina das bebidas, acaba por não tirar nada, detém-se em frente ao balcão dos bolos mas vai-se embora .

O pub à minha frente começa a ficar interessante:  limpo, as garrafas e os livros impecavelmente arrumados na estante, as chávenas de café empilhadas em cima da máquina de café, o chão já sem papéis, limpo, por um momento o pub parece um sitio agradável -- sem ninguém.

Reparo que a menina do balcão de câmbios  ainda lá está dentro, como se estivesse dentro de um aquário. Destaca-se porque o balcão está profusamente iluminado, em oposição ao balcão da livraria, que já fechou.

Nos últimos minutos noto mais movimento, pouco esperado num aeroporto que está  a fechar -- já faltam dez para as nove! -- passam grupos de pessoas, todas poderiam ser minhas co-passageiras no voo das onze para Atenas.

Nada mau, este portugieser…

 MS

 

Nota:

Villányi Portugieser - Wunderlich Winery

 

The most beloved child of local wine-growers, the specially named Portugieser is a variety that manifests its very wholeness and beauty in Villány. This warm-hearted wine turns even the introvert into wine lovers, being openly straightforward with beginners and always rewarding the faithful with ever new surprises. Ripening earlier than any other blue grape varieties, the Portugieser is a protean grape that entices one to make young wine by as early as Martinmas. Classic bright ruby in colour, it has a fragrance of fruits and spices at the same time, apple and some cinnamon, pomegranate and a touch of nutmeg and Brazilian pepper. A hint of elegance of cherry and, indeed, the grace of violet appear, as well. When tasted, it is dry with soft and silky acidity that is typical of this variety and warm in character as wines from this terroir normally are. The Jammertal Terroir, one of Villány's outstanding plots, Villányi Portugieser (15000 bottles) gives a wine of great quality, which explains its inclusion in our selection.

 

Pasted from <http://www.szolobirtokos.hu/villanyeng.html>

 

 

 

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Ithaca

When you set out on your way to Ithaca
you should hope that your journey is a long one:
a journey full of adventure, full of knowing.
Have no fear of the Laestrygones, the Cyclopes,
the frothing Poseidon. No such impediments
will confound the progress of your journey
if your thoughts take wing, if your spirit and your
flesh are touched by singular sentiments.
You will not encounter Laestrygones,
nor any Cyclopes, nor a furious Poseidon,
as long as you don’t carry them within you,
as long as your soul refuses to set them in your path.

Hope that your journey is a long one.
Many will be the summer mornings
upon which, with boundless pleasure and joy,
you will find yourself entering new ports of call.
You will linger in Phoenician markets
so that you may acquire the finest goods:
mother of pearl, coral and amber, and ebony,
and every manner of arousing perfume ―
great quantities of arousing perfumes.
You will visit many an Egyptian city
to learn, and learn more, from those who know.

Bear Ithaca always in your thoughts.
Arriving there is the goal of your journey;
but take care not to travel too hastily.
Better to linger for years on your way;
better to reach the island’s shores in old age,
enriched by all you’ve obtained along the way.
Do not expect that Ithaca will reward you with wealth.

Ithaca bestowed upon you the marvelous journey:
if not for her you would never have set out.
But she has nothing left to impart to you.

If you find Ithaca wanting, it’s not that she’s deceived you.
That you have gained so much wisdom and experience
will have told you everything of what such Ithacas mean.

Constantinos Kavafy
(translated by Stratis Haviaras)
in http://www.cavafy.com/poems/content.asp?id=286&cat=1