segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Literaturas finisseculares

As literaturas Europeia e Portuguesa responderam artística e esteticamente ao contexto geral de crise e de pluralidadeda do fim do século XIX da mesma forma que o Claude, meu companheiro de viagem de ontem:

"Les influences de Wagner, Franck ou Massenet ne furent sur lui qu'éphemeres. Il connaît les gamelangs javanais; mais sa conception de l'art, certaines formes de son esthétique rappellent plutôt celles de nos classiques (Couperin, Rameau) ou celles des polyphoneistes dont il admire la pleine concision. Son instinct musical, ses recherches constantes des sonorités les plus subtiles, des formes les plus souples, son évident horreur du romantisme, des développements classiques et tout prévus, l'ont conduit à parler un langage absolument neuf. Il s'aplique moins à trouver des mèlodies qu'à créer, par une suite d'harmonies capiteuses (onzièmes, treizièmes), une atmosphère chatoyante, mystérieuse. Chez lui, chaque accord a sa saveur, chacun sa couleur. Ansi, le poète, qui est un peintre, procède-t-il par touches légères. Il affectionne les gammes par tons entiers, dédaigne les résolutions, la distinction jusqu'alors observée entre modes majeurs et mineurs. S'affranchir de la loi tonale, fragmenter les thèmes, laisser à la trame musicale toute la souplesse nécessaire, fuir tout ce qui est statique, suggérer par contre tout ce qu'il y a de fuyant, d'éthéré dans la nature comme dans la pensée, telles paraissent être ses préoccupations. Indépendent, «Claude de France» est un créateur profond qui a «libéré» la musique de l'emprise wagnérienne. Son art allait révolutionner la musique européenne." [1]

As literaturas, Europeia e Portuguesa, chegam ao final do século XIX com o Realismo e o Naturalismo de um Balzac e um Stendhal europeus; e de um Eça e um Garrett portugueses, flamejados de um Positivismo em Teófilo Braga e de uma série de outros ismos (determinismo, decadentismo, darwinismo, simbolismo).
Mas, sobretudo, as literaturas chegam ao final do século conscientes de que os valores estéticos têm de mudar e tentam de facto mudá-los com atitude crítica, voluntária, consciente de cisão, de fim-de-uma-época, início de algo novo, vanguarda.
O Simbolismo, por exemplo, nasce do manifesto publicado por Jean Moréas, no Figaro (1886); o Modernismo (sobretudo em Inglaterra e na América do Norte) nasce de autores "que manifestam uma consciência crítica face aos géneros literários tradicionais e ao que convencionam chamar a 'frase literária': autores como T.S. Eliot (1885-1965), que, marcados pela segmentação do saber (filosofia, antropologia, psicologia, psicanálise), exploram as possibilidades linguísticas do discurso sintacticamente fragmentado ou as representações do discurso anterior." [2]; o Futurismo, da teorização de Marinetti, e Almada-Negreiros, também na forma de manifestos...
BASTA PUM BASTA!


[1]Dufourcq, Norbert, 1960. Petite histoire da la musique. Paris: Larousse
[2]Malato, Maria Luísa, 2008. História da literatura europeia. Uma introdução aos estudos literários. Lisboa: Quid Juris

domingo, 19 de outubro de 2008

Debussy a caminho de Biella

Não estava habituado a ouvir o Debussy fora de casa. Não tive receio de o levar a Biella, que é uma cidade romântica, de belos palácios e belos jardins românticos, terra moldada da terra no virar do século, à custa da indústria têxtil. Sabia que era o seu ambiente natural. A visão pacifica dos Alpes, naturalista e romântica também não deveria preocupá-lo. Do que tinha medo era da velocidade, da auto-estrada entre Milão e Biella, cento e quarenta, cento e cinquenta quilómetros por hora, não sabia como iria reagir. Liguei o iPod ao carro, liguei os cento e setenta cavalos, saímos.
Atravessámos Milão, mais românticos que modernos [1], eu e o Debussy.
Pusemos as rodas na autoestrada [2], cento e quarenta (don't do this at home, a velocidade máxima em Itália é de 130km/h). Perfeito! O Claude (permitam-me que o trate por Claude) reclinou-se no banco, olhou para o lado, viu o TGV passando por nós a quase o dobro da nossa velocidade e olhou para mim com ar desafiador: disse-lhe que se limitasse ao seu próprio andamento, que haveriam de vir outros futuristas para aquelas velocidades…
Segui, olhando para os Alpes, durante quase uma hora, ouvindo o Claude. À vista da minha obra, apareceu Rimbaud [3]:

Là bas, dans leur vaste chantier
Au soleil des Hespérides,
Déjà s'agitent -- en bras de chemise --
Les Charpentiers.
[…]
O Reine des Bergers,
Porte aux travailleurs l'eau de vie,
Que leurs forces soient em paix
En attendant le bain dans la mer à midi.
[…]"



[1] Images Inédites, L. 87: I. Lent, Doux Et Mélancolique
[2]Pour Le Piano, L. 95: I. Prélude. Assez Animé Et Très Rythmé
[3]Poesia Délires II/Alchimie du Verbe, em Rimbaud, Arthur, Rimbaud Oevres Poétiques. 1964 (Chronologie et préface par Michel Décaudin), Paris: Garnier Flammarion p.131

PS: Continuo a achar que mais vale uma metáfora do que mil imagens.
Ciao

Futurismo

O Marinetti não caiu no goto dos ingleses quando publicou o Manifesto di Fondazioni del Futurismo no "The Tramp" em 1910, em inglês, exaltando o papel das máquinas, dos motores e da velocidade -- os carros, na sequência do comboio do Oitocentos -- na formação das artes de vanguarda do Novecentos. Apareceu imediatamente o Whyndham Lewis que fez uma série de comentários irónicos: que os ingleses não precisavam de um profeta milanês para lhes dizer que os carros a motor andam depressa; que a extraordinária infantilidade dos Latinos acerca das invenções mecânicas, aeroplanos, maquinaria, etc. já é familiar a quem tenha vivido em França ou na Itália; que a Inglaterra praticamente tinha inventado esta civilização de que o Signor Marinetti agora lhes vinha apregoar; que, enquanto a Itália ainda era uma pântano de intrigas assombrado pelos Bórgias, a Inglaterra já resplandecia na elétrica e brilhante armadura do mundo moderno, disseminando as suas invenções e novo estado de espírito pela Europa e pela América [1].
A Orpheu publica Ode Triunfal no nº 1, em Março de 1915 (a poesia tinha sido escrita em Junho de 1914).
"Ó ferro, ó aço, ó alumínio, ó chapas de ferro ondulado!". Lembrei-me que tinha de ir a Biella, ver a minha obra -- que vai inaugurar no dia 29.
Empacotei o Debussy no iPod e lá fui.

[1]
Ceserani, Remo, 2005. La modernolatria, la macchina, la polemica antimacchinista. In: Gianci, G., 2005. Modernismo/Modernismi. Dall'avanguardia storica agli anni Trenta e oltre. 5ª ed., Milano: Principato, pp.241-254

Juventude


Foi graças ao Mário de Sá-Carneiro, ao Dionísio Vila-Maior e ao Brian Muirhead [1]que passei a manhã de ontem a caminhar pelo Porto. Eu já tinha encomendado o Céu em Fogo mas o livro não chegou a Milão por causa da greve dos correios; estava destinado que teria de descer a Rua da Fábrica para o encontrar. Tentei a Lello [2]mas nada, esgotado! Perguntei onde poderia encontrar, nem que fosse a edição de bolso da Europa-América. Mandaram-me para a 31 de Janeiro. Como sempre, não liguei às instruções, segui no caminho oposto e… lá estava, a 5ª edição da Ática, quase nove anos à minha espera, com nove anos de pó em cima. O dono da livraria, contemporâneo da primeira edição, pareceu contente por ter-se visto livre dele como se estivesse a ver-se livre de uma maldição. Estranho!
Desci a rua (a tal, a da Fábrica) a lê-lo. "Dor, acre, sucata leprosa…" Ter-me-ia suicidado antes de chegar ao Coliseu se entretanto não tivesse visto o que vi. Inacreditável!
Bem à minha frente, na Avenida dos Aliados, está a Juventude: Escultor Henrique Moreira, anos 20 [3].
Que contraste. Sentei-me num dos bancos de madeira, a ler o Céu e a olhar para a Juventude, tentando imaginar como seria aquele Passeio Público nos fins do século XIX. Já sabia que o período era de desassossego e mudança mas não entendia como na mesma vintena de anos poderiam ter coexistido em Portugal aquelas duas obras -- uma literária, outra escultórica--, o cinzento e deprimente ambiente suicida de Sá-Carneiro e o jovial, ingénuo e rejuvenescente mármore talhado da Menina Nua (o nome por que é conhecida a estátua no Porto).
Senti que a minha contextualização histórica ainda não me permitia entender a dicotomia. Continuei a ler o Céu. Já tinha lido os posts dos meus colegas relativos à comparação de atitudes entre Cesário e Mário, fiquei com a impressão de que não haveria aí grande discussão, isto é, não é que um seja optimista e outro pessimista, a verdade é que ambos me pareceram bastante pessimistas, desassossegados e nostálgicos, decidi não ir por aí-- apesar de, claramente, terem graus de desassossego bem diferentes! Deixei de parte a análise psicológica-- até porque ainda há que atribua a Sá-Carneiro uma dose considerável de demência que eu não almejo analisar…
Virei-me para os aspectos meramente relacionados com a minha leitura. Depois de identificar alguns elementos comuns entre ambos (a cidade, o movimento, o romantismo, a modernidade) comecei a achar que havia três claras diferenças entre o Verde e o Sá-Carneiro:
O uso do sujeito da narrativa (o Verde é ele próprio, o "repórter" das "sensações" como dizem o Carlos Ferreira e a Armanda; o Sá-Carneiro usa o "outro": o artista; o poeta)
O uso dos sentidos e da percepção sensorial (as alusões sensoriais mais arrojadas de Verde falam de flocos de pó de arroz que pairam sufocadores; Sá-Carneiro fala do ruido acre, globos de ouro tilintantes de luzes)
O ritmo, a densidade e complexidade da narrativa (Verde usa uma narrativa linear, realista, geográfica; Sá-Carneiro revela-se possuidor de uma enorme riqueza de recursos pictóricos (Van Gogh? Munch?)dramáticos, teatrais, recorrendo a imagens fortes, tensão violenta, argumento policial-- o Mistério só se percebe nos cinco últimos parágrafos da novela).

E comecei a pensar nos ismos… simbolismo, ocorreu-me o cubismo-- lembram-se que estive em Málaga há pouco tempo, no Museu Picasso?...

[1) Brian foi o gestor do projecto da Mars Pathfinder, a sonda que aterrou em Marte em 97; ontem contou como tinha sucedido aquele episódio, acerca de uma outra sonda não ter conseguido entrar em órbita por falta de combustível graças a um desentendimento gerado pela conversão de unidades imperiais em unidades métricas -- vicissitudes dos projectos colaborativos à distância
[2] http://cidadesurpreendente.blogspot.com/2005/12/lello-irmo-uma-livraria-deslumbrante.html
[3]fiz o upload da foto da Menina Nua-- a Juventude

o reverso da medalha

Como consequência de todas as transformações da transição entre o séc.XIX e o XX -- ou talvez apenas como contraponto --, crescem tensões sociais e políticas por toda a Europa que viriam a resultar na primeira guerra mundial.

Na sequência dos esforços de expansão já antes iniciados nas Américas e na Ásia (lembrem-se que, nesta época já se celebrava o centenário da independência dos Estados Unidos da América), a necessidade de obter matérias primas para a indústria empurra os principais países europeus para a África. Em Portugal, a independência do Brasil e o fim da escravatura deixam o país sem importantes fontes de rendimento e de fornecimento de matéria prima.

Portugal leva (mais passiva do que activamente!) os imperialistas europeus a regulamentar, em Berlim (em 1884 e 1885), a posse das terras africanas, tentando garantir uma ligação portuguesa entre as duas costas do continente negro; e inicia expedições para conseguir tratados de vassalagem dos povos autóctones.
O mapa cor-de-rosa, desenhado para unir Moçambique a Angola, colorida bandeira de paixões patrióticas, desfraldada aos ventos europeus, foi mais tarde posto em causa pela Inglaterra que fez um ultimato a Portugal.
"[…]Portugal era um pequeno estado, fraco e atrasado[…], virtualmente uma semi-colónia da Grã Bretanha; e só os olhos da fé podiam descobrir qualquer traço de desenvolvimento económico. Apesar disso, Portugal continuava a ser um membro do círculo dos estados soberanos e um vasto império colonial, graças à sua História; e conservava o seu império africano, não só porque as potências rivais europeias não conseguiam decidir como reparti-lo mas também porque, sendo um país 'europeu', as suas possessões não eram consideradas como objecto de conquista colonial." Hobsbawn, Eric (2007, p.22)

O Ultimato Inglês, de 1889, que ameaçava guerra a Portugal se não acabasse com o projecto do mapa cor-de-rosa, provocou mal-estar na sociedade portuguesa e deixou um forte vinco de humilhação durante décadas.

Fim de século, triunfalismo e desassossego

Os últimos anos do século XIX e primeiros anos do século XX são o palco de um ingénuo e eufórico despertar de vontades individuais. Muitos europeus tiveram, pela primeira vez em tão larga escala, a percepção de que poderiam moldar a sociedade à luz daquilo que eles próprios pensavam que a sociedade poderia ser. Tinham ideias, defendiam valores, acreditavam que um sistema político era melhor que o outro, tinham à sua frente a promessa de que a ciência resolveria todos os males do mundo e a economia liberal lhes permitiria a riqueza para sustentar os seus sonhos. Criaram-se nesses anos as personalidades que marcaram a história do mundo até aos dias de hoje, para o bem e para o mal.
"Em 1914, Vladimir Ilic Uljanov (Lenine) tinha 44 anos; Josif Vissarionovic Dzugasvili (Estaline) 35; Franklin Delano Roosevelt 30; J. Maynard Keynes 32; Adolf Hitler 25; Konrad Adenauer (pai da república federal alemã depois de 1945) 38; Winston Churchill 40; Mahatma Gandhi 45; Jawaharlal Nehru 25; Mao Zedong 21; Ho Chi Min 22; Josip Broz (Tito) 22; Francisco Franco Bahamonde (Generalíssimo Franco) 22; Charles De Gaulle 24; Benito Mussolini 31". Hobsbawn, Eric (2007, p.6)

O rápido crescimento da economia, em simbiose com o progresso científico e tecnológico, permitiu o desenvolvimento do comboio, do automóvel, do navio, permitindo grande mobilidade de gente e produtos; permitindo o surgir de um largo número de actividades industriais consumidoras de mão-de-obra, geradoras de riqueza, por um lado, e de assimetrias, por outro, colocando a Europa numa situação de grande transformação social.
"Entre 1870 e 1913 a população mundial passou de 1175 a 1723 milhões, o que implica um aumento de cerca de 50%. A Europa neste período continua a manter-se como centro demográfico do mundo, não apenas porque contém uma quarta parte da população total mas também porque dela saem emigrantes para outros continentes, especialmente para as zonas desertas da Oceânia e também para o mundo africano". Prada, Valentin V. de (1992[1966], 180)

A burguesia liberal aproximou-se mais dos proletários, as mulheres assumiram papel mais activo na sociedade e, fruto de alguma emancipação, integraram-se cada vez mais na máquina produtiva e na vida socio-cultural.

"In fashion history terms time never stands still. In the Edwardian era, new influences and a changing society in a young century began to challenge the stiff formality that prevailed. In the years between 1905 and 1918 clothing styles emerged that were evolutionary in bridging the gap between the rigid formality of the Edwardian styles and the ultimate changes that led to the knee high dresses of 1926."
Pasted from <http://www.fashion-era.com/1914_1920_towards_dress_reform2.htm>

Bibliografia:
Hobsbawn, Eric ,2007. L'Età degli Iperi. 1975-1914, Roma-Bari:Laterza
Prada, Valentin V. de, 1992. História Económica Mundial, II-Da Revolução Industrial à Actualidade. Barcelos: C. Editora do Minho