quarta-feira, 26 de março de 2008

Os que avançam de frente para o mar
E nele enterram como uma aguda faca
A proa negra dos seus barcos
Vivem de pouco pão e de luar.

LUSITÂNIA, Sophia de Mello Breyner

Hoje levaram-me a ver o mar, em Fiumicino.
"A tragédia actual no Tibete é consequência do karma negativo da geração de hoje. As condições para tal surgiram durante a geração anterior. Além disso, no início do século passado, o Tibete isolou-se demasiado do mundo e esqueceu-se de tentar ser reconhecido como um estado independente pela comunidade das nações. As pessoas não estavam interessadas no desenvolvimento que estava a ocorrer nos Estados vizinhos, sobretudo na China."

CAMINHO DE SABEDORIA, CAMINHO DE PAZ, Dalai Lama- Uma Conversa Pessoal, Felizitas Von Schönborn, 2004

Napoleão e o Duomo

Tout jeune Napoléon était très maigre
et officier d'artillerie
plus tard il devint empereur
alors il prit du ventre et beaucoup de pays
et le jour où il mourut il avait encore du ventre
mais il était devenu plus petit.

COMPOSITION FRANÇAISE (PAROLES), Jacques Prévert

Já tem folhas a árvore que ainda não sei que árvore é-- a tal árvore por trás da catedral a que os milaneses chamam Duomo. O Duomo foi mandado acabar por Napoleão.

terça-feira, 25 de março de 2008

Catedral de Burgos


A Catedral de Burgos tem trinta metros de altura
e as pupilas dos meus olhos, dois milímetros de abertura.

Olha a Catedral de Burgos com trinta metros de altura!

CATEDRAL DE BURGOS, António Gedeão

domingo, 23 de março de 2008

TAXI DRIVER

Franz Joseph Strasse, disse eu ao motorista do táxi quando finalmente deixou de falar com o colega e atirou um olhar para o banco de trás, Hotel NH.
Ya, disse o motorista, ene eiche outel.
Passado um bocado, já tínhamos feito duas curvas e cruzado o rio, perguntou-me: where do you come from?
Fiquei surpreendido e contente por este taxista ser um dos que falam—ainda mais pela forma como fez a pergunta, aberta, dava para contar a vida toda…-- e dei a resposta completa, truque de viajante—I’m from Lisbon, Portugal, but living in Milan. Esta resposta dá para arrancar conversa a todos, dos hooligans do futebol aos jogadores de golfe.
Ah, Milano, disse ele.
Very busy town, disse eu.
Busy and dirty, disse ele.
Dirty and noisy!
Depends on where you live.
Right in front of a Cuban bar, disse eu, best mojito in town—if you can’t beat them, join them!, disse eu, como quem diz, se não me deixam dormir ao menos bebo uns mojitos!
Disse-me que tinha um bom amigo em Milão e conhecia bem a cidade. Desde que vivia na Europa, já a tinha visitado, pelo menos, doze vezes, assim como algumas cidades na região de Nápoles, mas onde não havia máfia. Fiquei envergonhado, afinal, o viajante era eu—pelo menos era eu que estava sentado no banco de trás do táxi—e não conhecia o nome das três ou quatro cidades que me atirou. Ainda não tive muito tempo para viajar, disse eu, estou apenas há seis meses em Milão, desculpei-me. Tens de conhecer estes sítios, disse-me, sou american canadian, vim para Salzburgo há dezoito anos, para jogar hóquei—these guys play good hockey, you know?—casei e tive dois filhos, divorciei-me e fiquei. Pagar uma pensão de alimentos é uma coisa, estar com os filhos é outra. Gosto muito de Itália! Quando era miúdo, no Canadá, costumava comer num restaurante italiano e achei que nunca viria a gostar da Itália porque os homens eram muito machos—foi aqui que a minha mente não percebeu o que é que um jogador de hóquei tem contra machos, mas deixei passar—mas afinal gostei. Seven euro, please.
Eu gostei dos meus cinco minutos da minha missa de Páscoa. Órgão, orquestra e coro! Estes foram os cinco minutos por que esperei vinte e três anos. A missa começou às dez, às dez e um quarto estava de volta ao hotel. Make it ten, Happy Easter!

sábado, 22 de março de 2008

Páscoa em Salzburgo, enfim!


Estamos em Salzburgo. Há vinte e três anos prometi que cá voltaria para assistir a uma missa de Páscoa. Nessa altura, estive cá com o Pedro, o Carlos, o João Vaz, o Zé Pedro e a Márcia, quando visitámos a Baviera, numa viagem patrocinada pelo nosso professor Cláudio Spies. Salzburgo não é na Baviera, eu sei… Há vinte e três anos também já não era. Nós estávamos em Munique, com programa de visita de estudo, e decidimos vir passar o domingo de Páscoa a Salzburgo. Viemos de comboio, demos a voltinha a pé, entrámos na catedral—o DOM—e ficámos de boca aberta, a ouvir uma missa com uma orquestra de metais, que produzia um som mágico, repercutido nas pedras da igreja, ecoando em todas as colunas e vitrais, dava vida a santos anichados e exaltava a espiritualidade perdida de quatro jovens arquitectos.
Já não me lembro dos detalhes dessa visita. O Pedro disse-me ontem, ao telefone, que ficámos maravilhados com três coisas (não sei se a ordem foi esta): a cerveja, a pastelaria e uma sopa de cebola. Surpreendeu-me esta lista, porque a viagem de estudo foi dedicada ao tema arquitectura… Forgive us Cláudio Spies, wherever you are!

Desta vez, viemos de carro, de Milão. Já sei que haverá missa com música amanhã às nove da noite e domingo à dez da manhã.

segunda-feira, 17 de março de 2008

San Lorenzo
A vista, durante o almoço.

domingo, 16 de março de 2008

Chegou-nos uma paella!



O Ivo e a Palmira mandaram-me uma paella! Obrigado por terem mandado este bocado do Atlântico.

O pessoal vem aí!

Vamos lá fazer um programa. Chegam num sábado. Vou ter com eles a Malpensa, apanhamos o comboio. Levo-os direitinhos para o hotel, para pousarem as malas. De seguida, almocinho rápido no último piso do La Rinascente, a olhar para os pináculos do Duomo. Passamos a primeira tarde à volta da catedral, Peck, visita às galerias Vittorio Emanuelle, La Scala, Montenapoleone, Via della Spiga, Brera. A tarde acaba com um happy hour no Straf. Mais que suficiente, para o arranque. Jantar em casa, relaxado, para pôr a conversa em dia. Quem acusar o cansaço do voo madrugador, pode passar pelas brasas antes do jantar.

Segundo dia, domingo. Quem quiser levantar-se cedo, pode ir ver a cidade a acordar para as bandas do Duomo, tomar café numa esplanada, comprar o jornal na Mondadori ou na FNAC. A concentração será por volta das onze, já com o pequeno-almoço tomado. Arrancamos para os lados de Santo Ambrósio, Porta Ticinese, Piazza della Resistenza Partigiana, vamos ver a igreja de São Lourenço, o parque das duas basílicas, em direcção ao sul, Naviglio. Passamos pela igreja de Santo Eustórgio, almocinho ligeiro na Gatullo. Tarde de caminhada, com tempo para sesta, reunião às oito, jantar na Pizzeria Premiata.

Segunda-feira, terceiro dia. Voltinha das compras, almocito, comboio em Cadorna às quatro e meia da tarde, avião às sete e meia, programa cumprido. Depois, é só convencê-los a voltar outra vez ou... a ficar.

sábado, 15 de março de 2008

Zen e a Arte do Tiro com Arco

“Bom, parece-me que o mais difícil já passou”— disse eu um dia ao mestre, quando ele nos anunciava que iríamos começar com novos exercícios. “Aqui temos o costume de aconselhar a quem tem de caminhar cem milhas, que considere as noventa como sendo a metade— respondeu ele. Mas o objectivo desta nova etapa é o de atirar ao alvo.”
Até então, o destino da seta era um disco de palha assente num cavalete de madeira, em frente ao qual nos colocávamos, à distância equivalente ao comprimento de duas setas. O alvo, porém, está colocado a uma distância de sessenta metros, sobre uma elevação de areia de base larga, delimitada por três paredes e protegida, tal como o pavilhão onde fica o arqueiro, com uma cobertura de telha graciosamente inclinada. Os pavilhões estão ligados por altos tabiques que isolam do exterior o espaço onde se desenrolam acontecimentos tão singulares.
O mestre fez uma demonstração de tiro ao alvo. Ambas as setas acertaram no centro. Depois, convidou-nos a executar a cerimónia exactamente como antes, e permanecer em tensão máxima sem deixar que a presença do alvo nos causasse a mínima perturbação e esperar até que se desse o disparo. As nossas finas setas de bambu, embora partissem na direcção desejada, não chegavam a atingir, sequer, o monte de areia, e muito menos o alvo, cravando-se no chão à sua frente.
“As suas setas não atingem o alvo – observou o mestre – porque o seu alcance espiritual é limitado. Deve comportar-se como se o alvo estivesse a uma distância infinita. É um facto conhecido e comprovado pela experiência quotidiana entre nós, mestres arqueiros, que um bom arqueiro, munido de um arco de resistência média, atira mais longe que um arqueiro munido do arco mais forte, mas carente de espiritualidade. Logo, o resultado não depende do arco, mas sim da presença de espírito, vivacidade e atenção com que ele é manejado.”
(…)
Com o decorrer do tempo foram acontecendo, de vez em quando, mais alguns tiros que atingiam o alvo, embora acompanhados de muitos tiros falhados. Mas, ao menor sinal de vaidade, logo o mestre me repreendia com particular rudeza e explodia: “Mas o que é que se passa consigo? Sabe perfeitamente que não se deve incomodar com os tiros falhados. Do mesmo modo, deve abster-se de se alegrar com os tiros bem sucedidos. Tem de se libertar desse oscilar entre o prazer e o desprazer. Precisa de aprender a manter-se em serena indiferença, e alegrar-se como se tivesse sido outro, que não o senhor, a executar um bom tiro. Não calcula como isto é importante.”
(…)

ZEN E A ARTE DO TIRO COM ARCO, Eugen Herrigel

Eugen Herrigel (1884-1955) foi um filósofo alemão que ensinou filosofia na Tohoku Imperial University em Sendai, Japão, de 1924 a 1929 e levou o Zen a muitas partes da Europa através dos seus escritos.

Primavera urbana



Nunca me tinha apercebido de como chega a Primavera à cidade. Até ter vindo para Milão, pensava que a Primavera apenas existia no campo. Milão é uma cidade de árvores que florescem. Todas as árvores florescem? Magnólias florescem, certamente, Milão é uma cidade de magnólias. Atrás do Duomo há uma árvore—uma só—que floresce, não sei que árvore é, pensava que era uma magnólia quando a vi pela primeira vez, antes de florir. Não é! Tem uma flor parecida com a do lírio. Parece haver uma cumplicidade histórica entre esta árvore e as pedras da catedral. Que terá visto esta árvore? Quantas primaveras terão florido nesta árvore junto à catedral? Quem se terá sentado à sua sombra, olhado para as suas flores, com os contrafortes de pedras talhadas como fundo?

Porque o entardecer é uma ferida vertical que tomba no horizonte, aqui estou e aqui a contemplo embevecida de silêncio e paz.

Digo baixo nomes antigos, nomes verdadeiros, nomes bons. Nomes escusados.

Bato à porta da noite que chega, com a alma cansada e os braços tranquilos.

Atravesso o horizonte de laranja e roxo e sento-me na grande porta que ainda não foi aberta do outro lado do mar.

Encosto a cara aos barcos ancorados em cais antigos. Respiro na amurada de ternas viagens que não mais farei.

Há verdes brisas nos meus cabelos, livres como pássaros de que não se sabe a origem.

A primeira estrela floresce perto da Lua.

Seres tranquilos embriagam-se de tranquilidade e trevas e nascem como troncos invulneráveis na praia silenciosa.

Alguém começou a cantar. Um pouco ao acaso.

Outras sombras verticais escutam abismadas e respondem de um horizonte antiquíssimo à voz primeira. São uma constelação inesperada, quente, que corre como um vinho velho e nos perturba.

Um pássaro voa neste canto.

Atravessa o entardecer e, por momentos, é uma canção também.

Integra-se a tristeza que nos dilui, desta doçura nocturna, acerada de símbolos repentinos.

Sobre o mar, pressente-se uma ordem harmoniosa, que não ilude.

Há uma guitarra junto às rosas da memória.

A noite cai, solene.

Uma lágrima fractura o espelho desta hora.

MELODIA PARA UM ENTARDECER- Maria Rosa Colaço

quinta-feira, 13 de março de 2008

Política da educação ou educação da política?


Quando o governo fala de educação, os professores acham que se está a falar deles e vitimizam-se corporativamente. Os partidos não governantes reagem em bloco, aproveitam para tirar vantagens da contestação pública dos professores. O governo encolhe os ombros, engaveta os protestos (o que não os mata, fortalece-os) e promove-se na opinião pública. Entretanto, quem explica que as vítimas da falta de uma política de educação não são nem os políticos nem os professores? Quem é que é capaz de defender, corporativamente, a sociedade Portuguesa?

Partenon, terça-feira passada


sábado, 1 de março de 2008




Acabou o Inverno em Milão. Os termómetros aqueceram 10 Celsius graus e tiraram o cachecol e os gorros. Acabaram os gélidos cinco graus, vivam as temperaturas de Primavera— hoje chegámos aos dezanove! A vida em Milão intimou a nossa relação com o mercúrio. Não há manhã das últimas semanas em que não olhemos para os tracinhos (é óbvio que estou a tentar fazer uma figura de estilo, porque o termómetro é digital e só mostra cristal de quartzo na forma de numeração árabe) da escala térmica, na esperança de podermos deixar o cachecol em casa. Aconteceu! Saímos sem sobretudo ou parca, visto que as temperaturas se amenizaram, podemos caminhar do lado solarengo da rua imaginando que estamos na Primavera, a expressão “fim da tarde” começa a ter significado.
Hoje almoçámos com a Sofia, o Manuel e o João, antes passámos no mercado da Via Olona, levámos queijos, vinho e azeitonas, comprámos pizas. A Sofia fez o melhor “tiramisú” que comi até hoje. No regresso a casa, passámos pela montra daquela loja das facas e não consegui resistir a comprar a Wusthof 4183/17 Santoku Oriental cook’s knife… uma obra de arte!
O mercado da via Olona é a representação eterna da Primavera, visto que, com a globalização e industrialização dos produtos agrícolas, é possível encontrar morangos do Chile na época do Natal (a vinte euros o quilo!) mas hoje os hortícolas eram genuínos, havia nabiças, alcachofras, favas, laranjas, cores primaveris e intensas.