sábado, 15 de março de 2008


Porque o entardecer é uma ferida vertical que tomba no horizonte, aqui estou e aqui a contemplo embevecida de silêncio e paz.

Digo baixo nomes antigos, nomes verdadeiros, nomes bons. Nomes escusados.

Bato à porta da noite que chega, com a alma cansada e os braços tranquilos.

Atravesso o horizonte de laranja e roxo e sento-me na grande porta que ainda não foi aberta do outro lado do mar.

Encosto a cara aos barcos ancorados em cais antigos. Respiro na amurada de ternas viagens que não mais farei.

Há verdes brisas nos meus cabelos, livres como pássaros de que não se sabe a origem.

A primeira estrela floresce perto da Lua.

Seres tranquilos embriagam-se de tranquilidade e trevas e nascem como troncos invulneráveis na praia silenciosa.

Alguém começou a cantar. Um pouco ao acaso.

Outras sombras verticais escutam abismadas e respondem de um horizonte antiquíssimo à voz primeira. São uma constelação inesperada, quente, que corre como um vinho velho e nos perturba.

Um pássaro voa neste canto.

Atravessa o entardecer e, por momentos, é uma canção também.

Integra-se a tristeza que nos dilui, desta doçura nocturna, acerada de símbolos repentinos.

Sobre o mar, pressente-se uma ordem harmoniosa, que não ilude.

Há uma guitarra junto às rosas da memória.

A noite cai, solene.

Uma lágrima fractura o espelho desta hora.

MELODIA PARA UM ENTARDECER- Maria Rosa Colaço

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