sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Capítulo 1, Parte 1

Desenleavam um fio de descobertas sem fim, como da primeira vez que se sobe à montanha para ver os vales e se ouve o eco da própria voz, ou que se vê o mar quebrando-se em espuma nas fragas sob as asas das gaivotas, ou que se entra numa casa abandonada, que ali estava há anos, cheia de segredos antigos. Tinham iniciado uma viagem sem guia, nem intérprete, onde o irreal permanece inexplicável, como um sonho de criança que nos acompanha durante toda a vida. Cresceu-lhes a impressão de que é o tempo que modela tudo: as casas, os caminhos, todas as pedras, as portas e as janelas, as vidas. Não há mão de homem, o que se vê é apenas a poeira do tempo, como se as horas e os dias e os anos que passam se transformassem num sedimento, numa poeira, preenchendo todos os poros, como o fio de areia que cai de uma ampulheta. Esta poeira depositada é macia, fina, e uniforme, como a areia do deserto acarinhada pelo vento, como uma película de neve de manhã ao acordar, ou como uma pele jovem e luminosa que cobre um corpo revelando formas escondidas, voluptuosas, proibidas.

António e Laura viam um no outro a sua própria admiração. Geometrias estranhas reflectidas no rosto de cada um.

«Esta cidade, estes prédios, esta gente…».

«Que estranho, repara na cor da terra». Sentiam-se exploradores como os que descobriram palácios maias, ou pirâmides egípcias, ou jardins babilónicos.

«E este silêncio, esta mudez…». As pessoas não falavam, tampouco sorriam. Um silêncio frio de neve amplificava as mais pequenas expressões de pasmo (as cidades calam-se quando neva, tudo fica coberto por uma leve película de silêncio). Andavam pelos caminhos olhando à volta e olhando-se a eles próprios, por vezes, para confirmarem na troca de olhares o assombro do que viam.

 

 

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