terça-feira, 19 de maio de 2009

Madame Lambertin

TEXTO ORIGINAL

“Madame Lambertin era flamenga à vista desarmada, e de maneiras bastante livres, mas com certa tinta bondosa. Devia passar bem dos trinta. Quando sorria, o sorriso enchia-lhe a cara toda. Tinha os olhos verdes e bastante vivos. Da janela do meu quarto passei a vê-la atravessar todos os dias a rua, a caminho da brasserie da esquina, em frente, onde ia aplacar um deus insaciável. Voltava com uma cabazada de garrafas de Gueze. Chegava a beber (soube-o depois) às dezoito e vinte por dia. Era decerto o que lhe estragava a frescura, ainda apreciável através da retícula vermelha que já lhe bordava as faces.”

(José Rodrigues Miguéis, Léah e Outras Histórias, Editorial Estampa, Lisboa, 1960)

RESCRITA 1

Costumava vê-la passar, da janela do meu quarto. Madame Lambertin era bem constituída, alta, os seus braços ampliavam-lhe os movimentos do torso, como dançando. A pele, rosada, quase branca, fina, brilhante. No rosto oval a testa, longa, emoldurada por cabelos castanhos, quase vermelhos, uns olhos verdes, e uns lábios que começavam finos nos cantos da boca e se intumesciam no centro, desenhando um pequeno coração que se abria num amplo sorriso bondoso. Atravessava a rua para entrar na brasserie como se atravessasse um campo de papoilas, em busca da fonte do “champanhe de Bruxelas”, que bebia em abundância sem se preocupar com as finas linhas vermelhas que a cerveja já lhe cinzelava no rosto; secando-lhe a frescura de bem mais de trinta primaveras.

RESCRITA 2

Madame Lambertin. A verde bondade dos seus olhos. A doçura de um néctar rosado de pêssego, transparente, a formigar na língua. Uma vivacidade refrescante, leve, mineral. Todos os dias as bolhinhas de Gueuze – o champanhe de Bruxelas -- a atraíam à brasserie, de onde regressava com um largo sorriso e uma vintena de garrafas. O líquido bebia-lhe com prazer o corpo ainda jovem, aflorando na face em finas linhas vermelhas que um pintor da escola flamenga teria retratado num delicado craquelê, revelando os seus bem mais de trinta anos.

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